O imaginário da cordialidade sexual
O documentário “Cinderelas, Lobos e um Príncipe Encantado”, de Joel Zito Araújo, será lançado no dia 13 de outubro, na abertura da V Mostra Produção Independente Cinema em Negro&Negro, no Cine Metrópolis, na Ufes. No dia seguinte, o diretor estará presente numa mesa do Seminário de Cinema Negro junto com os cineastas Zózimo Bulbul e Jeferson De
Paulo Gois Bastos
A história da princesa que é salva pelo príncipe encantado é a metáfora usada por Joel Zito Araújo na construção do argumento do seu documentário “Cinderelas, Lobos e um Príncipe Encantado”. Mas, enquanto no conto de fadas, príncipe e princesa apenas concretizam uma espécie de profecia mágica e selam o amor perpétuo por meio da união entre dois nobres, as mulheres e homens do documentário de Joel não fazem parte da mesma classe e cultura. Trata-se, justamente, da busca pela ascensão social via parceria sexual.
O diretor viaja pela Europa e pelo litoral brasileiro para mostrar como homens europeus e mulheres brasileiras estabelecem contatos e parcerias erótico-afetivas. O diretor quer saber como a perpetuação de um imaginário sobre o corpo da mulher negra justifica o turismo sexual no Brasil e como as mulheres também apropriam-se desse imaginário para buscarem melhores condições de vida.
O reforço desse imaginário não, necessariamente, termina no exercício da prostituição. Há personagens que trilham outros caminhos, porém, mesmo assim, o corpo da mulher negra aparece sempre como sinônimo de fogosidade e sexualidade permissiva. Isso é explícito nas falas tanto dos homens europeus como das próprias brasileiras. Em uma cultura sexual conservadora como a nossa, esse “excesso proibido” acaba tornando-se mercadoria. Assim, a imagem da mulher negra fogosa é, ao mesmo tempo, a afirmação de uma sexualidade mais livre como também a fetichização desse corpo – sua veiculação enquanto mercadoria exótica para o prazer do homem europeu.
Joel Zito faz uma pesquisa iconográfica e mostra que desde o século XIX, a mulher africana povoa o imaginário sexual do homem europeu. No Brasil, ao exotismo das formas soma-se o tratamento afetivo dispensado por essas mulheres. Os europeus dizem-se encantados pela simpatia e afabilidade das brasileiras. Arrisco falar em uma cordialidade sexual, fazendo um paralelo com o chamado racismo cordial. E se é verdade que as brasileiras dispõem de práticas erótico-afetivas mais criativas e generosas que as européias, o que o documentário nos mostra é um novo colonialismo, dessa vez o bem expropriado são os corpos e o afeto das nossas mulheres.
O que nos desconcerta no filme é a naturalização dessa relação e os extremos dessa exploração. Uma mãe quer que a sua filha menor de idade pare de prostituir-se nas ruas, mas não por um dilema moral e sim para que tenha melhores condições laborais. Uma ex-prostituta conta a sua história de cárcere privado e de escravidão sexual fora do país. Uma brasileira residente em Berlim admite que em momentos de “aperto” a prostituição é uma saída a ser buscada. Uma brasileira que foi casada com um alemão fala do desinteresse do seu marido por sexo após os primeiros anos de casamento e das suas estranhas compensações afetivas.
Em “Cinderelas, Lobos e um Príncipe Encantado” é possível ver como as marcações de raça, gênero e classe entrecruzam-se para significar os corpos. Aquelas mulheres negras e pobres utilizam-se desse lugar de significação como potência para transpor a sua própria condição. O que se coloca é: essa movimentação em busca de uma vida melhor questiona o sentido dado a esses corpos ou apenas alimenta esse imaginário perverso?
Paulo Gois Bastos
A história da princesa que é salva pelo príncipe encantado é a metáfora usada por Joel Zito Araújo na construção do argumento do seu documentário “Cinderelas, Lobos e um Príncipe Encantado”. Mas, enquanto no conto de fadas, príncipe e princesa apenas concretizam uma espécie de profecia mágica e selam o amor perpétuo por meio da união entre dois nobres, as mulheres e homens do documentário de Joel não fazem parte da mesma classe e cultura. Trata-se, justamente, da busca pela ascensão social via parceria sexual.
O diretor viaja pela Europa e pelo litoral brasileiro para mostrar como homens europeus e mulheres brasileiras estabelecem contatos e parcerias erótico-afetivas. O diretor quer saber como a perpetuação de um imaginário sobre o corpo da mulher negra justifica o turismo sexual no Brasil e como as mulheres também apropriam-se desse imaginário para buscarem melhores condições de vida.
O reforço desse imaginário não, necessariamente, termina no exercício da prostituição. Há personagens que trilham outros caminhos, porém, mesmo assim, o corpo da mulher negra aparece sempre como sinônimo de fogosidade e sexualidade permissiva. Isso é explícito nas falas tanto dos homens europeus como das próprias brasileiras. Em uma cultura sexual conservadora como a nossa, esse “excesso proibido” acaba tornando-se mercadoria. Assim, a imagem da mulher negra fogosa é, ao mesmo tempo, a afirmação de uma sexualidade mais livre como também a fetichização desse corpo – sua veiculação enquanto mercadoria exótica para o prazer do homem europeu.
Joel Zito faz uma pesquisa iconográfica e mostra que desde o século XIX, a mulher africana povoa o imaginário sexual do homem europeu. No Brasil, ao exotismo das formas soma-se o tratamento afetivo dispensado por essas mulheres. Os europeus dizem-se encantados pela simpatia e afabilidade das brasileiras. Arrisco falar em uma cordialidade sexual, fazendo um paralelo com o chamado racismo cordial. E se é verdade que as brasileiras dispõem de práticas erótico-afetivas mais criativas e generosas que as européias, o que o documentário nos mostra é um novo colonialismo, dessa vez o bem expropriado são os corpos e o afeto das nossas mulheres.
O que nos desconcerta no filme é a naturalização dessa relação e os extremos dessa exploração. Uma mãe quer que a sua filha menor de idade pare de prostituir-se nas ruas, mas não por um dilema moral e sim para que tenha melhores condições laborais. Uma ex-prostituta conta a sua história de cárcere privado e de escravidão sexual fora do país. Uma brasileira residente em Berlim admite que em momentos de “aperto” a prostituição é uma saída a ser buscada. Uma brasileira que foi casada com um alemão fala do desinteresse do seu marido por sexo após os primeiros anos de casamento e das suas estranhas compensações afetivas.
Em “Cinderelas, Lobos e um Príncipe Encantado” é possível ver como as marcações de raça, gênero e classe entrecruzam-se para significar os corpos. Aquelas mulheres negras e pobres utilizam-se desse lugar de significação como potência para transpor a sua própria condição. O que se coloca é: essa movimentação em busca de uma vida melhor questiona o sentido dado a esses corpos ou apenas alimenta esse imaginário perverso?
1 de outubro de 2009 às 19:57
Nasce um crítico de cinema!!! parabéns, Paulo
2 de outubro de 2009 às 10:00
Para que se faça uma crítica é necessário que se conheça não só da arte cinematográfica, mas é necessário que se tenha uma ampla cultura acerca da história.
E Paulo reúne todas essas características.
Parabéns meu amigo!!!
2 de outubro de 2009 às 17:57
QUE MAGNIFICA CRITICA, E QUE BELO TEMA...